https://doi.org/10.15174/orhi.vi19.14

Escritorio


Ofício de historiador: apontamentos sobre Micro-História e Espacialidade

Oficio de historiador: apuntes sobre microhistoria y espacialidad

Historian's craft: notes on Micro-History and Spatiality

 

 

Resumo

A Micro-História pode oferecer possibilidades de novas interpretações do mundo a partir da alteração das escalas de observação, discutidas em torno das lutas materiais e simbólicas. Nesse sentido, ela aponta para uma construção que foge de análises dualistas, polarizadas ou simplificadas, possibilitando, através de sua prática, perceber aspectos que em abordagens convencionais poderiam passar despercebidos. Nossa proposta é discutir as bases epistemológicas da escrita da história ancorada na Micro-História, buscando evidenciar alguns temas, tensões, aproximações e distanciamentos neste fazer historiográfico. Dentre os muitos temas, pretendemos enfa tizar a produção dos espaços de fronteiras em uma perspectiva microhistórica, discutindo as relações entre a Micro-História Translocal e a História Global.

Resumen

La microhistoria puede ofrecer posibilidades para nuevas interpretaciones del mundo basadas en escalas de observación cambiantes, discutidas en torno a luchas materiales y simbólicas. En este sentido, apunta a una construcción que huye de los análisis dualistas, polarizados o simplificados, permitiendo, a través de su práctica, percibir aspectos que en los enfoques convencionales podrían pasar desapercibidos. Nuestra propuesta es discutir las bases epistemológicas de la escritura de la historia anclada en la microhistoria, buscando resaltar algunos temas, tensiones, aproximaciones y distancias en este quehacer historiográfico. Entre los muchos temas, pretendemos enfatizar la producción de espacios fronterizos en una perspectiva microhistórica, discutiendo las relaciones entre la microhistoria translocal y la historia global.

Abstract

Microhistory can offer possibilities for new interpretations of the world based on changing observation scales, discussed around material and symbolic struggles. In this sense, she points to a construction that runs away from dualistic, polarized or simplified analyses, making it possible, through her practice, to perceive aspects that in conventional approaches could go unnoticed. Our proposal is to discuss the epistemological bases of the writing of history anchored in Microhistory, seeking to highlight some themes, tensions, approximations and distances in this historiographical work. Among the many themes, we intend to emphasize the production of frontier spaces in a micro-historical perspective, discussing the relationships between translocal micro-history and Global History.

 

Fecha de recepción: 27 de agosto de 2023

Fecha de aceptación: 1 de febrero de 2024

 

* Doutorando em História pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (PPHR/UFRRJ) e bolsista capes. Mestre Interdisciplinar em História e Letras (MIHL) pela Faculdade de Educação, Ciências e Letras do Sertão Central - FECLESC da Universidade Estadual do Ceará - UECE. Especialista em Ensino de História (PROMINAS) e em História do Brasil (CEAD/UFPI). Graduado em História (Licenciatura Plena) pela FECLESC/UECE. Tem interesse pelos temas: Teoria da História, imprensa, violência, banditismo e cinema.

Contacto: professorwill13@gmail.com


Introdução

As bases epistemológicas da Micro-História nasceram na segunda metade do século XX na Itália, ligadas às crises na historiografia da época, em especial a História Social dos Annales e a perspectiva da longa duração, como proposto por Fernand Braudel, seu principal expoente. Ao contrário, a proposta pregada pelos micro-historiadores agora seria a de tentar compreender a complexidade do vivido, as trocas simbólicas, as relações sociais e de poder, em suas singularidades.

A mudança de perspectiva, isto é, uma proposta que direciona o olhar para o detalhe a partir da variação da escala de observação, partiu de um grupo de historiadores que questionava os modelos de interpretação que, em suas análises, terminavam por generalizar as respostas frente aos problemas apresentados. Diante desse incômodo, formularam-se novas possibilidades de análises históricas e foi nessa ambiência que a MicroHistória apareceu como um caminho para a crítica às generalizações simplistas de seus contemporâneos.1

A Micro-História, é importante que se diga, não foi pensada como uma “escola” ou uma corrente historiográfica e, além disso, ela não oferece um corpo teórico fechado, o que abre muitas possibilidades àqueles que recorrem à sua prática. Entretanto, apesar de sua plasticidade, se há um ponto metodológico em comum na qual se baseia essa perspectiva é a variação na escala de observação para perceber aspectos que poderiam escapar às análises macroestruturais. Objetivamos discutir os principais desafios da escrita da história alicerçada na perspectiva da Micro-História e quais suas possibilidades e limites nos estudos sobre o espaço.

Nosso texto foi organizado em três partes, assim dispostas: na primeira delas, nos propomos apresentar de forma breve o percurso sobre a Micro-História italiana, seus principais nomes e as suas características. Em um segundo momento, apontamos algumas tensões e embates que envolvem a prática micro-histórica. Por fim, a última parte do texto é dedicada a apontamentos sobre as possibilidades de utilização da abordagem microanalítica para os estudos dos espaços, atentando para as possíveis articulações teóricas e metodológicas entre a Micro-História translocal e a História Global, tensionando o jogo de escalas de observação.

Percursos de um método em (constante) transformação

A Micro-História tem se destacado nos últimos anos no Brasil com estudos relativos à criminalidade, aos deslocamentos, as migrações e trajetórias, por exemplo.2 Destacam-se os mais recentes trabalhos de Deivy Carneiro,3 Maíra Vendrame,4 Monica de Oliveira5 e Alexandre Karsburg,6 além das pesquisas precursoras realizadas por Henrique Espada Lima.7 Este(a)s e outro(a)s pesquisadores tem ampliado o leque de problematizações e vem contribuindo com discussões inovadoras em torno dessa fecunda prática historiográfica.

Essas discussões têm suas bases fundadas na Itália do século passado quando, durante os anos 1970 e 1980, um grupo de pesquisadores inconformados perante os modelos explicativos generalistas concebidos em resposta à longa duração e ao espaço macro, tecem suas críticas ao modelo braudeliano. A Micro-História se destaca como uma resposta possível e crítica aos modelos conformistas, esquemáticos e simplistas, oferecendo uma redefinição de conceitos e métodos. Na Itália, nomes como Edoardo Grendi, Giovanni Levi e Carlo Ginzburg se firmaram como possibilidades para se pensar uma escrita da história mais atenta aos detalhes, às tensões, às ações e aos conflitos e, portanto, mais próxima da realidade humana, oferecendo novas perguntas e mecanismos de pesquisa para o campo da história.

Henrique Espada Lima assenta a revista Quaderni Storici8 como importante espaço para o debate e críticas nascentes aos métodos até então vigentes. Desta forma, as formulações em torno da Micro-História articulam-se, ainda, “[...] em torno da relação da história com as outras ciências sociais - em especial a economia, a demografia e a antropologia”.9 Ofereciam temas e questões tão diversos quanto as propostas da Escola do Annales, da vertente marxista britânica ou a antropologia social, abrindo o leque das discussões.

Carlo Ginzburg comenta sobre a gênese da Micro-História mencionando que ouviu o termo pela primeira vez de Giovanni Levi e dele se apro priou “sem pedir elucidações sobre o seu significado literal”, mas foi levado ao sentido que a palavra micro sugeria, isto é, a perspectiva de uma redução na escala de observação. Posteriormente, ele, Simona Cerutti e Levi trabalharam em uma coleção de textos publicada pela editora Einaudi sob o título de “Micro-História” que rendeu vários volumes, alguns traduzidos para outros idiomas.10 Não deixa de mencionar, no entanto, que outros autores já se utilizaram do termo antes deles.11

Definir a Micro-História não é tarefa tão simples. Mesmo os principais nomes da “MicroHistória italiana” não optaram por fazê-lo conclusivamente. Giovanni Levi defende que ela é uma prática “capaz de teorizar uma ortodoxia”, isto é, indo além do sentido único, apostando na redução de escalas na leitura do mundo. Nesse sentido, Carlo Ginzburg aponta que “[...] reduzir a escala de observação queria dizer transformar num livro aquilo que, para outro estudioso, poderia ter sido uma simples nota de rodapé”.12 O que escapa desse trecho de O fio e os rastros é o olhar pormenorizado lançado para as particularidades, aos detalhes e a tentativa de compreender as especificidades dos acontecimentos estudados a partir da alteração da escala de observação. Este é um dos principais aspectos que caracterizam epistemologicamente a Micro-História.

E o que se ganha ao recorrer à variação na escala de observação? Ao partir para uma análise micro-histórica, o historiador pode se deter a objetos diversos e não apenas às “pequenas coisas”, uma das primeiras confusões que se apresentam aos estudantes iniciantes. Primeiro, reforcemos o objetivo central ao se optar pela prática micro-histórica: entender que a redução de escalas de observação permite ao historiador atentar a aspectos que poderiam passar despercebidos, presumindo que se revele “[...] aquelas contradições que só aparecem quando a escala de referência é alterada”13. Permitindo, “[...] uma reconstituição do vivido impensável noutros tipos de historiografia”.14

Recorrendo a uma metáfora clássica, como o uso de um microscópio para melhor se observar determinado objeto, sugerido por Levi ou ainda, à metáfora do exame da gota d'água para enxergar algo de todo o oceano, como coloca Barros (2008), podemos exemplificar melhor a operação microhistórica. A primeira nos direciona para a possibilidade de enxergar maiores informações que não veríamos a “olho nu”, isto é, buscar “perceber quantas coisas importantes acontecem quando aparentemente não acontece nada”.15 Já a segunda nos informa outro importante detalhe, diretamente relacionado ao primeiro exemplo: esta forma de operação pode oferecer várias informações específicas sobre algo do macro-campo que é o oceano. Reitera o autor, depende da especificidade da pergunta levantada. Não é possível saber a diversidade da fauna marinha através da gota d'água, ou seja, não se trata de querer ver o todo a partir dela. Aliás, a crítica às generalizações funcionalistas e positivistas vão ao encontro da prática de uma análise micro-histórica.

Quando um micro-historiador se debruça sobre uma determinada comunidade, ele busca estudar através dela,16 tentando compreender aspectos específicos daquela sociedade, as tensões, práticas, organização e estratégias que poderiam escapar ao olhar mais geral. Assim sintetiza D'Assunção Barros: “a ideia é que, embora não seja possível enxergar a sociedade inteira a partir de um fragmento social, por mais que ele seja cuidadosamente bem escolhido, será possível [...] enxergar algo da realidade social que envolve o fragmento humano examinado”.17 Desse modo, o objeto de estudos do micro-historiador pode ser uma prática social específica, como um crime, os deslocamentos de famílias ou um indivíduo, por exemplo. O que importa para a Micro-História na escala de observação é o modo como o historiador intensivamente trabalha com suas fontes, buscando sinais, traços, indícios para a (re)composição da sua história.

é importante ressaltar que há uma nova geração de historiadores ligados à Micro-História que questionam a noção de escala. Um trabalho interessante é o que vem sendo desenvolvido por C. de Vito. O autor parte da abordagem de Ginzburg e Levi quanto à ideia dos lugares serem construções sociais e históricos, mas busca uma espacialização da Micro-História superando o conceito de escalas. Desdobrando que chama de história micro-espacial, de Vito que “a invocação de escala é problemática por causa do seu potencial de inclusão de múltiplos significados”18, gerando problemas de comunicação. Assim, o conceito de escala é mal direcionado e normalmente “transmite a ideia de que os processos históricos estão posicionados em certos 'níveis' sociais ou que distintos 'níveis' de observação podem revelar aspectos diferentes”.19 Nesse sentido, o uso de escalas acaba reforçando algumas hierarquias e binarismos que deveriam ser superados.

Atentemos para esse modelo e prática de trabalho apoiados em um paradigma indiciário.20 Isto é, observar atentamente as pistas, os detalhes e problematizar os traços e sinais que ao olhar menos atento podem parecer irrelevantes. Todavia, “pistas talvez infinitesimais permitem captar uma realidade mais profunda, de outra forma inatingível”.21 é preciso exercitar uma atividade de análise que procure ver além do que as fontes “desejam mostrar”, além do esperado, do evidente. A característica do paradigma indiciário é se aventurar naquilo que foge ao controle de quem construiu o objeto, doravante, fonte do historiador.

Nesse sentido, este olhar para os documentos restitui à fonte as suas particularidades, as experiências individuais e coletivas de grupos sociais do passado imersos nas suas lutas, nos seus interesses, a busca por legitimação de suas ações, das suas condutas, tentando capturar elementos que fogem ao seu controle.22 Deve-se operar em busca de elementos que a fonte não diz diretamente, não apresenta de forma explícita, mas procurá-lo nos “[...] traços não conscientes e não controlados, que escapariam ao controle do redator da fonte.23 Ou seja, estes elementos “[...] se encontram, todavia, nos traços, nos indícios e nos sinais; na medida em que estes sim, são reveladores de uma realidade profunda e inconsciente”.24

Executa-se, assim, um intensivo exame da documentação selecionada, atenta ao que foge ao controle, ao instável, ao que escapa a norma, encarando a escrita da história e a análise das fontes com uma postura diferente, fazendo o que Walter Benjamim chamou de “escovar a contrapelo”, o que implica a recusa do pacto com os tradicionais vencedores da história e, ainda, afastando-se de uma leitura positivista do passado.25 Foi esse olhar para o anômalo que permitiu Carlo Ginzburg construir, a partir das fontes da Inquisição, uma rede de solidariedade, rivalidades, circularidade cultural e limites do Tribunal do Santo Ofício na Friuli do século xvi, por meio do processo contra o moleiro herético “Domenico Scandella, conhecido por Menocchio”,26 em seu livro O Queijo e os Vermes.

Após esta breve discussão sobre os principais elementos que caracterizam o paradigma epistemológico da Micro-História, apresentaremos agora algumas tensões e embates que a envolvem: algumas aproximações e distanciamentos que se apresentam na prática do micro-historiador. Como disse Giovanni Levi, a Micro-História não é ortodoxa e nem se apresenta com amarras inflexíveis, o que possibilita variações nos seus usos. O próprio Levi disse em entrevista que a “ideia de micro-história que têm aqueles que a praticam é de fato muito di versa”, e que ele não se “reconheceria na abordagem de muitos deles[...]”.27 Vejamos algumas delas.

O desafio micro-histórico: embates, aproximações e distanciamentos

As bases que lançaram a Micro-História, como vimos, não estão “soltas no mundo”, elas partem de críticas aos modelos de escrita da história já existentes, o que possibilita, dentro desses campos, estabelecer aproximações e distanciamentos. Além disso, destaca-se a sua proximidade com a interdisciplinaridade, ampliando ainda mais os diálogos com as várias dimensões da Clio. E como dissemos anteriormente, a abordagem micro-histórica destacase por não definir amarras quanto ao seu escopo teórico. é, pois, a postura do historiador que vai ampliar ou limitar os diálogos, a partir do uso das “lentes de aumento”.

Destacam-se o aprofundamento no debate metodológico da história oral e uma articulação maior com a Antropologia, tomando os mitos, as crenças e os rituais como fontes históricas.28 Além das fontes citadas, também se lança o olhar para os documentos ligados à repressão, como os processoscrimes, as fontes judiciais e da inquisição. Nesse ponto, cabia ao historiador fazer uma análise à contrapelo, buscando ir além das informações “dadas”, tensionando as informações que o produtor deixa aparecer. Lança-se um olhar mais atento para as contribuições da Antropologia, “a disciplina que, por excelência, coloca a alteridade como o seu objeto de estudo” e, assim, “oferecia as possibilidades mais proveitosas de diálogo”.29

O diálogo com a antropologia social e a história social da cultura é marcada também por dissensos e contradições. Um bom exemplo são as ressalvas postas a partir da aproximação da MicroHistória com a antropologia interpretativa de Clifford Geertz, no que diz respeito à narrativa e descrição realizadas pelo micro-historiador. Nesses termos, a narrativa micro-histórica se aproxima da “descrição densa” de que nos fala o antropólogo estadunidense.

A “descrição densa” parte da ideia de que para se entender o comportamento dos sujeitos estudados era preciso descrever minuciosamente cada aspecto daquela cultura. Dessa forma, deve-se ficar atento a “uma multiplicidade de estruturas conceptuais complexas, muitas delas sobrepostas ou amarradas umas às outras, que são simultaneamente estranhas, irregulares e inexplícitas, e que ele tem que, de alguma forma, primeiro apreender e depois apresentar”.30

Ao operar de tal modo, apresentam-se leituras possíveis das estruturas significantes das ações sociais observadas. Estas são apreendidas e, posteriormente, transformadas em textos, em discursos, interpretando-as e tornando-as inteligíveis para serem apresentadas. A descrição etnográfica parte da observação do antropólogo das ações dos sujeitos, formulando interpretações e relatando-as a posteriori. Como o exercício que Geertz demonstra ao discutir a briga de galos balinesa.31 Assim posto, podemos traçar aqui uma aproximação da “descrição densa”, de que nos fala Geertz, com a forma como o micro-historiador trabalha com as suas fontes, isto é, descontruindo o documento, explorando as minúcias e os pormenores, esmiuçando as informações de que dispõe à exaustão. Entretanto, é preciso ficar atento a alguns detalhes importantes que ajudam a construir distanciamentos da proposta do antropólogo estadunidense.

Levi aponta que a antropologia social tem se preocupado com a razão e os seus desdobramentos em diferentes sociedades. No entanto, acaba persistindo na simplificação, “[...] with a functionalist reading that looked for explanations in a difference in contexts while assuming the internal homogeneity of the societies examined”.32 Contra essa simplificação, Levi cita Friedrik Barth,33 apontando que cada sociedade emprega de formas diferentes a razão, “alongside established common norms, opening up a range of possible choices and behaviours”.34

Nesse sentido, Giovanni Levi chama atenção ao mencionar o trabalho de Robert Darnton (1986), O Grande Massacre de Gatos. Em “Os perigos do geertzismo”, Levi (1999) critica a superinterpretação que o autor dá ao episódio ao encontrar explicações para um conflito social e de classe ser respondido (não unicamente) pela matança de gatos levada à cabo por aprendizes de uma tipografia na França moderna.35 Além disso, Levi também critica a transposição de problemas da Antropologia mecanicamente para o fazer historiográfico, a rigidez dos contextos de referência e “síntese extrema de um certo modo de imaginar a antropologia de Geertz”.36

Darnton no livro O beijo de Lamourette retorna a discussão sobre as contribuições das teorias antropológicas para a história e rebate algumas das críticas direcionadas ao O Grande Massacre de Gatos.37 Primeiro, pela fluidez e polissemia que atribuí aos símbolos, encarando-os em sua complexidade, nas relações metafóricas que os cercam e dão sentido. Em uma referência ao trabalho de Geertz, Darnton lembra da linha tênue que separa o simbólico e o não-simbólico na comunicação e na interpretação da cultura, como “a diferença entre um pestanejo e uma piscadela”.38 Assim posto, “os símbolos funcionam não só por causa de seu poder metafórico, mas também devido à sua posição dentro de um quadro cultural”.39

Levi volta a comentar esse texto em 2015, afirmando em entrevista que percebe como “defeito”, como problema do livro, a “ideia de conferir uma interpretação única para a pluralidade de efeitos que tem um ato simbólico”.40 Alerta, pois, para o cuidado devido ao tecer as aproximações com outras disciplinas, para não se acabar por tentar “aplicar” seus métodos de forma mecânica à escrita da história.

Também Ciro Flamarion Cardoso recorre à crítica de Levi ao nos lembrar que “enquanto a antropologia interpretativa tende a ver um significado homogêneo nos signos e sinais socialmente difundidos”,41 o historiador procura percebê-los como múltiplos, ambíguos e com representações sociais diversificadas.42

Outro ponto de aproximação com a antropologia é a proposta descritiva de que se valem os trabalhos de Micro-História. Ao atentar às minúcias, o micro-historiador dedica mais espaço às descrições ao examinar as fontes e os contextos analisados. Todavia, é importante demarcar que a noção de narrativa a que se filia a Micro-História é diferente da ideia que faz dela Hayden White, que reduz o trabalho do historiador à uma atividade retórica e estética, aproximando-o da ficção. Nesse quesito, os debates se fazem mais tensos ao se pôr em disputa a capacidade de produção do conhecimento histórico (busca pela verdade) que a meta-história coloca à historiografia.

Hayden White não nega a existência do passado, mas situa e separa os “eventos” (o que aconteceu no passado) dos “fatos” (as narrações que se fazem deles). Assim, é o “estilo” do historiador que confere sentido ao passado.43 Para ele, diante da impossibilidade de controlar o passado “tal como foi”, a narrativa historiográfica abre espaço para a invenção.44 Desse modo, o historiador guarda uma aproximação com o literato, posto que o seu trabalho produz “ficções verbais” e o conteúdo de seu traba lho são textos “inventados”.45

No entanto, essa relação entre história e ficção de que nos fala Hayden White é criticada por Carlo Ginzburg. A ideia de uma operação historiográfica que parte conscientemente de escolhas do historiador e de perguntas que ele faz às fontes não é novidade. Essa inocência quase positivista de tocar o passado “tal qual” aconteceu já foi superada. Além disso, sabemos que os documentos são fragmentários, parciais e inventam sempre algo, que serve a ações e propósitos.46 Ginzburg acredita que há pistas, indícios e sinais que conduzirão o pesquisador na sua construção, mesmo que incompleta, de uma verdade.47 Apesar de toda documentação guardar sempre um problema com a realidade, ela enquanto “coisa em si” existe e não pode ser negada.48

Outra crítica diz respeito à forma simplista como o autor percebe as fontes, sem levar em conta que os documentos são “redes de resistências” que estabelecem desafios ao historiador na sua busca de “reconstrução do passado”49 Deivy Carneiro e Daniel Dias apontam a importância do método no ofício do historiador e que a noção de prova é “central para muitos historiadores, discordantes das teses neocélicas, no que concerne a pesquisa histórica”50 Isso posto, o historiador assume as exigências do rigor metodológico de seu métier e sua “intenção de verdade”, sabendo que ele vai contar uma história possível mediado pelas fontes, construindo um saber verificável.51

Há propostas que acolhem esta perspectiva, isto é, de uma aproximação entre História e Literatura, conciliando-as. José D'Assunção Barros, por exemplo, afirma que “[...] não há como deixar de considerar o historiador como um literato, ainda que artífice de um tipo especial da literatura que lida, metodicamente, para a composição de sua narrativa, com os materiais trazidos pelos seus 'outros', a começar pelas próprias fontes históricas”.52 Nesse sentido, o historiador é, também, um construtor de texto,53 próximo, portanto do literato, advoga o autor.54

Gerando igualmente muitas discussões, destacamos a atenção que se tem dado à chamada Global History. Esta abordagem aproxima-se da renovada world history, procurando analiticamente perceber as relações entre estruturas e macrorregiões distintas, e, ainda, se propõe conviver “com a Micro-história global, que demonstra a presença de processos globais em unidades de análise restritas a locais”55, pois, mesmo quando lida com trajetórias individuais, cada abordagem combina com outras dependendo da sua necessidade, revelando a sua multiplicidade de objetos e diálogos56 e as inter-relações, de forma crítica, com a totalidade.

Procurando uma definição que escapasse ao risco de pretensão a uma história total e tentando superar as dificuldades e confusões geradas em seu entorno, Rafael Marquese argumenta que uma das conexões teóricas e metodológicas da História Global “reside no estudo de totalidades abertas, isto é, de fragmentos do globo integrados por meio de laços diversos (econômicos, sociais, políticos, culturais) que assumem uma dada configuração dinâmica e sistêmica”.57 Mais recentemente, no livro Micro-História: um método em transformação podemos ver algumas propostas de trabalho que aliam Micro-História e História Global.58

De outro lado, na obra supracitada, Giovanni Levi tece algumas críticas à perspectiva da Global History. Para ele, os estudiosos da História Global não ofereceram verdadeiras inovações, alertando ainda para a difícil tarefa de superar o eurocentrismo. Levi aponta para problemas abordados superficialmente quando se fala nesta perspectiva: o espaço (amplo e que revelaria redes, fluxo e conexões), o tempo (inserido e um quadro sincrônico nas redes de relações analisadas, nas causas e interpretações) e o documento (privilegiando os arquivos ocidentais e sua riqueza de documentação sobre “outros mundos”, entretanto, lidos “de um ponto de vista que não permite dar voz verdadeiramente, de forma equânime, a culturas diversas”, correndo o risco de produzir, mesmo que inconscientemente, deformações e homogeneizações inadequadas).59

Levi, em um artigo publicando anteriormente, já se mostrava cético diante das possibilidades da Global History, mesmo esta que se propõe atenta às conexões, às influências recíprocas e crítica ao modelo eurocêntrico.60 Ao longo do artigo, Levi continua apresentando aproximações e distanciamento entre as duas perspectivas e dando ênfase ao jogo de escalas e aos espaços e suas possibilidades de análises, a partir da Micro-História.

Outras propostas surgiram ao longo dos anos na tentativa de conciliar estas abordagens. Uma das que tem apontados caminhos metodológicos e teóricos significativos é a chamada história conectada (conected history), partindo da ideia de uma História micro-espacial (micro-spatial History), que se preocupa com os contextos, conexões, diferenças e descontinuidades, sem perder de vista um espaço mais dilatado e advogando em favor de uma microglobal History, que entende o “global” não como sinônimo de “total” e “mundo”, mas como uma perspectiva que atenta para “o caráter socialmente e historiograficamente construído de lugares, conexões e categorias [...]”.61

A Micro-História translocal tem apresentado possibilidades frutíferas quanto ao debate sobre Micro-História e as espacialidades, estabelecendo articulações com a Global History (no sentido crítico e renovado anteriormente mencionado). Desse modo, De Vito e Anne Gerritsen acreditam que translocalidade parece um conceito apropriado para pensar esta dimensão. Recorrentemente usada em várias disciplinas, a translocalidade “[...] draws attention to the fact that connections, before linking large regions and polities, put specific sites in contact with each other”.62 Esta perspectiva também chama tenção para a relações de poder e as múltiplas identidades interligadas neste processo. Os mencionados autores destacam os estudos sobre migração e potência renovadora a partir da perspectiva translocal.63

A seguir, nas dua últimas partes do trabalho, dedicamos especial atenção para a produção dos espaços em uma perspectiva micro-histórica, atentando para as preocupações metodológicas na sua construção e apresentando algumas tensões e convergências entre a Micro-História translocal e a História Global.

O olhar micro-histórico para as espacialidades

Sabemos que os espaços são dotados de historicidade e que não devemos observá-lo apenas como “pano de fundo” das práticas sociais. No entanto, por muito tempo nos preocupamos em dar ênfase às ações e, muitas vezes, os espaços onde elas acontecem não receberam a devida atenção e, em alguns casos, eles foram naturalizados e apreendidos, como algo dado. No entanto, é preciso historicizálos, atentar para suas possibilidades, encará-los como produtores de poder, como construtores de discursos e identidades. Esta noção nos permite olhar para as relações espaciais e entendê las como relações políticas, e para os discursos ali produzidos como “discurso[s] da política dos espaços”.64 Assim, eles segregam, demarcam e classificam. Isto posto, como a perspectiva micro- histórica pode nos ajudar a pensar as espacialidades?

Giovanni Levi observou que era quase inevitável que, com o passar do tempo, a Micro-História fosse interpretada de forma diferente, direcionando o foco para as coisas pequenas ou o local.65 Na verdade, a micro-história “[...] coloca o foco nos questionamentos sobre o funcionamento da racionalidade humana que governa os comportamentos”.66 Todavia, ao associa-la exclusivamente ao estudo “das pequenas coisas”, pode-se perder o caráter inovador de um método que buscava evidenciar aquilo “que não seria imediatamente visível sem o uso de uma lente de aumento”.67 Portanto, não se trata de uma história menor, muito menos de uma história local ou regional. Apontemos brevemente algumas diferenças existentes entre elas.

A história local ou regional estuda as relações sociais estabelecidas dentro de determinado espaço (recorte geográfico, cultural ou antropológico). Especificamente, essa localidade ou região é estudada por ela mesma. Uma perspectiva local considera este espaço como central para a análise na produção historiográfica, atentando para práticas políticas e/ou culturais específicas, que ganham singularidade regional. D'Assunção Barros diz que ela aponta para “(...) uma prática que só se encontra aqui ou que aqui adquire conotações especiais a serem examinadas em primeiro plano”.68 O espaço observado busca também perceber articulações, homogeneizações e contradições sociais, presumindo que, ao estudar este “local”, pode-se apreender algo sobre a totalidade.69

é interessante ressaltar que há uma diferença entre o que se entende por História Local e/ ou Regional brasileira e a noção europeia. é mais comum no caso brasileiro a utilização do termo para se referir a uma localidade menor (bairros, aldeias). Entretanto, na Europa, os historiadores não sentiram “nenhuma necessidade de cunhar uma palavra especial para esta modalidade historiográfica”,70 como o caso dos primeiros estudos do que podemos chamar de História Local. Isto se deve ao fato de já lidarem com espaços menores se comparados com as dimensões e dinâmicas territoriais brasileiras.71

A Micro-História não se preocupa com um espaço físico menor. Como disse Jacques Revel, “a questão fundamental não é aqui a do estudo dos objetos de tamanho reduzido”,72 quando o microhistoriador lança seu olhar para uma comunidade pequena, ele está antes interessado em examinar a realidade através dela e não necessariamente estudar a comunidade - o que não inviabiliza as possibilidades de análises espaciais. No entanto, nestes termos, “a abordagem micro-histórica” não deve “ser identificada com a monografia ou com a perspectiva da história local”,73 uma vez que esse enfoque pode privilegiar e compactuar com um projeto macro-histórico.

Edoardo Grendi é um dos grandes nomes quando se pensa no pioneirismo em se discutir teórica e metodologicamente os espaços pelas “lentes de aumento”, propondo um novo modelo analítico de estudos dos territórios. Uma análise mais refinada a partir do cruzamento de outras disciplinas (geografia, arqueologia) com a História, em uma abordagem topográfica, percebendo o território e seus elementos materiais como produtos das inter relações sociais e dos fenômenos culturais.74 Acrescente- se aqui o enfoque ampliado às fontes, indo além dos documentos escritos, com a atenção dada aos vestígios materiais.

Outro nome que se dedica ao estudo das espacialidades e Micro-História é Angelo Torre. Em sua contribuição para o livro Micro-História: um método em transformação, Torre defende a importância dos trabalhos de Edoardo Grendi para os temas relacionados à localidade, alertando para o modo como nos aproximamos e tratamos das fontes, defendendo a microanálise como possibilidade de aproximação das transformações sociais e culturais.75

Em artigo recente, ele tece críticas às tentativas de equacionar a relação entre o local e global, entre o universo micro e macro.76 Comentando, especialmente, a spatial turn77, Torre argumenta que há toda uma mobilização em torno de se tentar dar conteúdo para esta nova sensibilidade historiográfica.78 Algumas, contudo, acabam por entender o espaço como uma dimensão simbólica e não concreta.

Logo no início de seu texto, o autor demarca a sua posição, ao mencionar que as propostas surgidas para se tentar uma articulação entre o micro e o macro (global microhistory ou a micro -história translocal) são insatisfatórias, inconciliáveis e heterogêneas,79 tornando-se difícil uma distinção quando se parte de tipologias abstratas. Todavia, se atentarmos para as ações práticas, as conexões, as comparações e análises e suas múltiplas diferenças, podemos ter uma melhor visão das trocas culturais.

Torre, ao recusar as explicações endógenas da história global, apontoou os limites analíticos postos do paradigma da circulação, sobre qual ela assenta as suas bases. O autor reforça a diferença entre micro e local asseverando que não se referem a objetos “pequenos”, assim como o macro e global não estão relacionados, necessariamente, com o “grande”.80 Precisa-se superar a ideia do espaço como dimensão cartesiana, mas encará-lo em sua complexidade: de construção mental e social.81

Para Torre, não é a soma de inúmeros “locais” que formam o “global”. Na verdade, há uma rede mais complexa que leva em conta a sua própria realidade, constituído de práticas e categorias próprias dos atores que as usam, portanto, um enfoque êmico.82 é a partir do olhar para a documentação levando-se em conta as categorias dos protagonistas, refletindo sobre a gênese do documento e conectando espaços específicos, que se pode alcançar resultados que não seriam perceptíveis em outras abordagens.83

A produção da localidade envolve múltiplos atores com motivações variadas e com estratégias próprias, de legitimação e gestão do poder, dos conflitos e de seus interesses, cabendo ao historiador/a identificar, se aproximar dessa complexidade e explicar as suas dinâmicas. Uma abordagem interdisciplinar e não linear das fontes associada a uma análise topográfica nos permitiria identificar práticas culturais e sociais negligenciados ou apagados. Assim, conforme Carneiro e Dias, “[...] a análise da ação (local) seria o principal meio de tornar explícitos e compreensíveis muitos aspectos das sociedades globais” e “[...] a reprodução constante de suas diferenças específicas”.84

A partir de uma história micro-espacial, Christian De Vito também oferece inúmeras contribuições para pensarmos estas relações nos aportes teóricos da micro-história translocal. De Vito defende uma escrita da história que observa a interação, que pensa as redes e as conexões existentes nas trocas, nas práticas e nas representações. Para ele, a perspectiva translocal faz referência à produção histórica e social dos lugares. Os espaços não podem ser tomados como “pano de fundo dos fenômenos”, a sua singularidade deve ser vista como “resultado de dinâmicas relacionais, quer internas, quer externas às suas fronteiras geográficas”.85

A história micro-espacial avança em relação às proposições levantadas por Giovani Levi e Carlo Ginzburg. O caminho proposto por Christian De Vito aparece como alternativa à superação binária da divisão local/global e/ou micro/macro, ao propor uma “história sem escalas”. Segundo ele, a ideia de redução de escala dos mencionados autores em nada tem a ver com uma redução espacial ou uma dimensão “pequena” do objeto de estudos, mas sim à produção social e histórica dos lugares, enfatizando as mudanças e as complexas conexões.86

Esta perspectiva, a de uma história microespacial, analisa as localidades em suas particularidades e conexões em múltiplos tempos.87 Ao abolir a ideia de escalas, De Vito pretende superar as divisões entre global e local, entre agência e estrutura, posto que as escalas reforçam as divisões, impedindo formas mais produtivas diante da produção dos processos históricos.88 Segundo o autor, fugir de “qualquer referência ontológica à 'escala'” foi o caminho encontrado pela história micro-espacial para incorporar, na análise dos fenômenos históricos, as práticas sociais, em lugares singulares, mas conectados.89 A partir da translocalidade, o autor enfatiza a circulação dos indivíduos, das práticas, dos saberes e das ideias, chamando atenção para as ligações entre eles, ao mesmo tempo, que enfatiza as suas distinções.90

Micro-História e espaços de fronteiras

No Brasil, o estudo das fronteiras e das práticas diversas nesses espaços tem ganhado cada vez mais destaque nos últimos anos. As teses de doutoramento de Sueny Souza e Wania Viana são alguns exemplos de obras que nos fazem refletir sobre o espaço de fronteira e suas possibilidades. São textos que versam sobre os séculos xviii e xix e apresentam como as relações de fronteiras podem ser singulares, com “conexões e simbologias próprias”91, e as estratégias dos governadores visando “proteger, vigiar e administrar os assuntos relacionados à defesa”92 desses espaços. Desse modo, compreendemos que a fronteira tende a ser caracterizada como instável, conflitiva e violenta, mesmo que não esteja se dando confronto direto ali.93

Tiago Luís Gil94, Augusto Farinatti95 e Keila Grinberg96 são alguns dos nomes de destaque na historiografia brasileira com pesquisas sobre as fronteiras em contextos diversos e que se valem da prática micro-histórica em suas análises. Além das pesquisas mencionadas anteriormente, gostaríamos de destacar os trabalhos de Thompson Flores, especialmente, a sua proposta de uma “fronteira manejada”, perspectiva cunhada a partir do contato com uma vasta documentação, aliada a processos de análises micro-históricos. A autora percebeu a fronteira como um espaço de estratégias, na qual os fronteiriços “[...] demonstravam uma nítida clareza de que circular do seu lado, ou do outro lado, acarretava diferentes ações e questões a serem levadas em conta”.97 O que aponta para a riqueza de trabalhos que se valem da fronteira como chave interpretativa associada à Micro-História.

São textos que priorizaram a porção sul do país, isto porque o tema da fronteira é caro no que diz respeito às questões identitárias, portanto, frequentemente presente na sua historiografia.98 No entanto, a fronteira como como objeto de investigação aparece em outros textos, atentando às conjunturas e especificidades de outras partes do país, haja visto os limites e tensões que envolvem um país continental como o Brasil, com múltiplas fronteiras internas e externas.99 E a Micro -História aparece como um caminho possível, visto a sua preocupação com o espaço como dado social e cultural e seus múltiplos significados simbólicos.100

Os espaços de fronteiras devem ser compreendidos a partir de suas relações sociais, o que nos leva ao entendimento do seu caráter móvel, flexível, extrapolando a dimensão física ou natural, atentando para as múltiplas práticas e discursos. Conforme Alejandro Grimson “[...] investigar una frontera exige a la vez considerar su sociogénesis y estudiar cómo es cotidianamente producida recriada e reproducida por los diferentes agentes sociales que intervienen en ese espacio”.101 Portanto, pensamos elas, pois, como “espaços humanizados”, portadores de particularidades, estruturadas e reestruturadas a partir da atividade humana.102 Perspectiva que coaduna com a prática da Micro -História translocal, perseguindo uma análise detalhada, além dos limites das fronteiras localistas, de olho nas conexões, nas redes e estratégias estabelecidas pelos seus agentes.103

Habitar um espaço fronteiriço é ter em mente a sempre presente “noção de que existe o 'outro lado' para onde se pode fugir e esconder a si ou o objeto do roubo”.104 Os usos dos espaços de fronteiras possibilitam a prática de crimes diversos, que vão desde o contrabando de armas e munições, os assaltos, os incêndios e os assassinatos, além das negociações com pessoas de relevo da sociedade, fora do alcance das vistas e das mãos da polícia. é possível imaginar que havia a noção dos benefícios de cruzar a fronteira, para além da evasão. A legislação brasileira da época assegurava que o criminoso deveria ser julgado no lugar no qual cometeu o delito, o que trazia um ganho ao criminoso que cruzava os limites políticos do estado de sua atuação.105 Por isso, é preciso estudar o espaço fronteiriço “[...] desde una perspectiva relacional los conflictos, las alianzas, y las redes que atraviesan la frontera”.106

Alinhada à perspectiva de Grimson, Giovanni Levi postula que o espaço deve ser concebido “[...] not only by its geographical situation but by the significance attached to a place and a given situation that may be contained or determined by a broad range of connections and thus linked to other, widely distributed spaces”.107 Levi pensa as inter-relações, as conexões e os lugares como construções sociais e culturais que mudam constantemente, o que o aproxima da perspectiva micro-espacial de Christian De Vito.

Estes aspectos revelam a complexidade e toda a potencialidade epistemológica da integração entre Micro-História associada à sensibilidade espacial. Chama-nos atenção os deslocamentos pelas fronteiras e a necessidade de estudar as práticas dos sujeitos de forma integrada tanto em curtas ou longas distâncias ou espaços em áreas amplas. Nesse sentido, é preciso atentar para o contraste, para o anômalo, para as tensões e para as estratégias que emergem das dinâmicas territoriais quando as olhamos sob perspectiva microanalítica.108

Ao combinar a análise dos múltiplos usos das fronteiras com as propostas microanaliticas anteriormente citadas, podemos obter outras percepções acerca do local e do lugar. O local, nessa compreensão é um espaço de intensa interação ainda que em uma perspectiva global de investigação.

Os lugares poderiam ser investigados a partir da sua produção histórica e social, ampliado nossas percepções das suas conexões. Isso posto, conforme salientam Carneiro e Dias, teríamos ao nosso alcance “uma abordagem microanalítica que investiga as conexões e relações entre lugares, especialmente aqueles marcados pelas trocas comerciais e pelas migrações”.109

Considerações finais

Neste trabalho, buscamos discutir a tarefa de escrita da história, valendo-se de uma perspectiva microanalítica e discutindo como esta abordagem pode contribuir para os estudos dos espaços. Tendo sua gênese na Itália dos anos setenta do século passado, a Micro-História foi, posteriormente, adotada por inúmeros historiadores, em várias partes do mundo, vem ganhando cada vez mais espaço nos trabalhos de pesquisadores brasileiros, inclusive. Nossa tarefa foi a de apresentar algumas das principais discussões que buscaram alinhar as espacialidades e a Micro-História.

As bases epistemológicas microanalíticas nos orientam na tentativa de entrever práticas e relações que poderiam passar despercebidas se observadas por uma perspectiva macroanalítica. O objetivo de (re) compor os quadros socioculturais, seguindo os rastros, os fios e as múltiplas conexões na leitura do passado, a partir da Micro-História, é uma empreitada complexa e que exige múltiplos cuidados. Em tempo, é importante recordar que a Micro-História não foi pensada com a proposta de se firmar como “escola” teórica, o que abre caminho para alguns embates, tensões, aproximações e distanciamento entre aqueles que a pretendem praticar.

Um bom exemplo desses embates são as atuais discussões em torno das possíveis articulações (ou não) entre o micro e o macro, entre o local e o global, encetadas por vários estudiosos. Umas das saídas propostas nos é apontada pela história micro-espacial, que propõe uma história sem escalas como tentativa de superar a visão binária da divisão local/global e/ou micro/macro. A história microespacial defende um olhar ao detalhe, às redes e as conexões, sem perder de vista suas relações com um contexto mais amplo, justificando, assim, sua aproximação da Micro-História tradicional, pois se volta para os significados simbólicos atribuídos aos espaços por diferentes atores sociais, ultrapassando as preocupações meramente geográficas.

Todavia, não podemos perder de vista que a proposta de observação dos fenômenos históricos atentando às minúcias visa, justamente, captar detalhes não evidentes na superfície. Portanto, o mais interessante aqui é pensarmos nas contribuições que esta abordagem pode oferecer, ou, como disse Levi (2019), na revitalização que ela pode promover nos estudos históricos. Nesse sentido, as pesquisas sobre a produção dos espaços (de fronteiras) podem ganhar em qualidade quando apoiadas na prática micro-histórica, não sem divergências, tensões e problematizações.

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Notas

[1] Levi, “Micro-história”, 2020, pp. 19-34.

[2] Destacamos a realização do “Seminário Micro-História, Trajetórias e Imigração” iniciado em 2014 chegando em maio de 2021 à sua quarta edição. O evento contou com a presença de nomes internacionais como Carlo Ginzburg, Giovanni Levi, Simona Cerutti, Francesca Trivellato e Ângelo Torre, para ficarmos apenas em alguns exemplos. Além dos nomes nacionais que se dedicam a pensar a micro-história no Brasil, como os que citamos acima.

[3] Carneiro, Justiça, 2019.

[4] Vendrame, Ares, 2013.

[5] Oliveira y Almeida, Exercícios, 2012.

[6] Karsburg, Eremita, 2012.

[7] Lima, Micro-História, 2006.

[8] A revista foi fundada por Alberto Caracciolo em Ancona, na Itália e surgiu como crítica em torno de produções históricas limitadas e generalizantes.

[9] Lima, Micro-História, 2006, p. 16.

[10] Ginzburg, Fio, 2007.

[11] Revel (2010) argumentou que obra Pueblo em vilo: microhistória de San José de Gracia (1968) de autoria do historiador mexicano Luis González y González é uma das primeiras a referir-se à micro-história, destacando-se a opção por direcionar o seu olhar para outra forma de se pensar e fazer a história partindo do ponto de vista particular.

[12] Ginzburg, Fio, 2007, p. 265.

[13] Levi, “Sobre”, 1992, pp. 133-161.

[14] Ginzburg, Microhistoria, 1989, pp. 177-178.

[15] Levi, “Micro-história”, 2015, p. 247.

[16] Barros, Campo, 2008.

[17] Barros, Campo, 2008, p. 156.

[18] De Vito, “História”, 2023, p. 248.

[19] De Vito, “História”, 2023, p. 249.

[20] Ginzburg, Mitos, 1989.

[21] Ginzburg, Mitos, 1989, p. 150.

[22] Cerutti, “Contrapelo”, 2021, pp. 59-68.

[23] Carneiro, Justiça, 2019.

[24] Carneiro, Justiça, 2019.

[25] Benjamin, “Teses”, 1987, pp. 222-232.

[26] Ginzburg, Queijo, 2006, p. 31.

[27] Levi, “Pequeno”, 2017, pp. 157-182.

[28] Castro, “História”, 1997.

[29] Lima, “E.P Thompson”, 2004, p. 62.

[30] Geertz, Interpretação, 2008, p. 07.

[31] Geertz, Interpretação, 2008.

[32] “[...] com uma leitura funcionalista que procurava explicações na diferença de contextos assumindo a homogeneidade interna das sociedades examinadas”. Tradução nossa. Levi, “Frail”, 2019, p. 43.

[33] Barth, Balinese, 1993, pp. 163-71.

[34] “[...] juntamente com normas comuns estabelecidas, abrindo uma gama de escolhas e comportamentos possíveis". Tradução nossa. Levi, “Frail”, 2019, pp. 43-44.

[35] Levi, “Perigos”, 1999, pp. 137-146.

[36] Levi, “Perigos”, 1999, p. 138.

[37] Darnton, Grande, 1986.

[38] Darnton, Beijo, 1995, pp. 284-303.

[39] Darnton, Beijo, 1995, p. 294.

[40] Levi, “Micro-história”, 2015, p. 259.

[41] Cardoso, “História”, 1997, p. 145.

[42] Levi, “Sobre”, 1992, pp. 133-161.

[43] White, “Texto”, 1994, pp. 97-116.

[44] White, Contenido, 1992.

[45] White, “Texto”, 1994, pp. 97-116.

[46] Levi, “Trabalho”, 2014, pp. 1-20.

[47] O debate é profícuo e duradouro e merece atenção e espaço que não dispomos aqui. Entretanto, destacamos a discussão levantada por Daniel da Silva Klein (2019), perseguindo os debates entre meta-história e Micro-História e a possibilidade de se chegar às verdades dos contextos estudados.

[48] Ginzburg, Fio, 2007.

[49] LaCapra, History, 1985; Carneiro y Dias, Forma, 2022.

[50] Carneiro y Dias, Forma, 2022, p. 96.

[51] Prost, Doze, 2017.

[52] Barros, “História”, 2010, p. 10.

[53] Certeau, “Operação”, 1982, pp. 65-119.

[54] Acreditamos que H. White não a nega (na forma de “eventos”). Talvez o problema resida no modo como o autor usa o termo ficção. White não o entendia como oposição ao fato, mas, se referia ao seu sentido latino, isto é “como elemento que ordena informações dispersas em um todo com coerência interna. Ficção (fictìo), dessa perspectiva é o processo de figuração que cria significado aos eventos, sejam eles históricos ou não, sejm eles verídicos ou imaginados. Por isso, para ele, a historiografia é, também, um discurso ficcional” (Grifos do autor). Ver: Mello, “Hayden”, 2019, pp. 178-201.

[55] Morales y Pereira, “Convite”, 2019, p. 08.

[56] Morales y Pereira, “Convite”, 2019, pp. 07-13.

[57] Marquese, “História”, 2019, p. 17.

[58] A revista Esboços, vinculada ao ppg-História da Universidade Federal de Santa Catarina, é um dos suportes que promovem o debate em torno desta abordagem.

[59] Levi, “Micro-história”, 2020, p. 29.

[60] Levi, “Frail”, 2019, pp. 37-49.

[61] De Vito, “Por”, 2020, p. 114.

[62] “[...] chama a atenção para o fato de que as conexões, antes de ligar grandes regiões e políticas, colocam em contato locais específicos”. Tradução nossa. De Vito y Gerritsen, “Micro-Spatial”, 2018, p. 7.

[63] De Vito y Gerritsen, “Micro-Spatial”, 2018, pp. 1-28.

[64] Albuquerque, Nos, 2008.

[65] Levi, “Micro-história”, 2020, pp. 19-34.

[66] Levi, “Micro-história”, 2020, p. 20.

[67] Levi, “Micro-história”, 2020, p. 21.

[68] Barros, História, 2017, p. 172.

[69] Barros, História, 2017.

[70] Barros, História, 2017, p. 198.

[71] Talvez isso se deva também às hierarquias de poder (nos centros hegemônicos de saber, o que é local pode se assumir como global), como observa Clifford Geertz em O saber local.

[72] Revel, “Micro-história”, 2010, p. 438.

[73] Revel, “Micro-história”, 2010, p. 438.

[74] Grendi, “Storia”, 1993, pp. 141-197.

[75] Torre, Produção, 2020.

[76] Torre, “Micro”, 2018, pp. 37-67.

[77] Esse “giro espacial” ou “virada espacial” se deu nos anos 1990 e foi marcado pela alteração epistemológica na qual as categorias espaciais ganham destaque. Ver: Vendrame, “Produção”, 2023.

[78] Torre, “Micro”, 2018, pp. 37-67.

[79] Torre, “Micro”, 2018, pp. 37-67.

[80] Torre, “Micro”, 2018, pp. 37-67.

[81] Torre, Production, 2020.

[82] Torre, Production, 2020.

[83] Torre, “Comunidade”, 2023, pp. 147-186.

[84] Carneiro y Dias, Forma, 2022, p. 215.

[85] De Vito, “Por”, 2020, p. 104.

[86] De Vito, “History”, 2019.

[87] De Vito, “History”, 2019.

[88] Giovanni Levi, em artigo recente, volta a apontar distanciamentos entre a Micro história e a História Global. Aponta que, ao se falar em Micro-História global, corre-se o risco de criar mal-entendidos e perder de vista as renovações teóricas e metodológicas que elas podem oferecer. Seu texto, escreve ele, é uma tentativa de desfazer as confusões.

[89] De Vito, “Por”, 2020, pp. 101-120.

[90] De Vito, “Connected”, 2018.

[91] Souza, Usos, 2016, p. 18.

[92] Viana, Gente, 2019, p. 16.

[93] Thompson, “Bandidos”, 2019, pp. 123-149.

[94] Gil, Infiéis, 2002.

[95] Farinatti, Confins, 2007.

[96] Grinberg, “Escravidão”, 2007.

[97] Thompson, Crimes, 2014, p. 81.

[98] Talvez esta questão se deva à vizinhança com outros países do cone sul (América Platina).

[99] Thompson, “Conceito”, 2019, pp. 283-304.

[100] Levi, “Frail”, 2019, pp. 37-49.

[101] “Investigar uma fronteira requer tanto considerar sua sociogênese quanto estudar como ela é produzida, recriada e reproduzida cotidianamente pelos diferentes agentes sociais que intervêm naquele espaço”. Tradução Nossa. Campi, “História”, 2005, em: Guazzelli, Thompson y Avila, Fronteiras, 2009, p. 132.

[102] Campi, “História”, 2005.

[103] De Vito, “Por”, 2020, pp. 101-120.

[104] Thompson, Crimes, 2014, p. 106.

[105] Thompson, “Bandidos”, 2019, pp. 123-149.

[106] “[...] numa perspectiva relacional, os conflitos, as alianças e as redes que atravessam a fronteira”. Tradução nossa. Grimson, Nación, 2003, p. 24.

[107] “[...] não só pela sua situação geográfica, mas pelo significado atribuído a um lugar e a uma dada situação que pode estar contida ou determinada por uma ampla gama de conexões e, portanto, ligada a outros espaços amplamente distribuídos”. Tradução nossa. Levi, “Frail”, 2019, p. 40.

[108] De Vito, “Por”, 2020, pp. 101-120.

[109] Carneiro y Dias, Forma, 2022, p. 219.